Comunicação não violenta e relações no mundo dos negócios
Por Carolina Lucena
Trabalhar de forma empírica utilizando Scrum é atender o objetivo proposto para aquela iteração, coletar feedback dos stakeholders e adaptar. Ao iniciar uma nova iteração, é preciso entender qual objetivo o Product Owner (PO) deseja alcançar. Além disso, deve-se discutir como a entrega será feita e definir uma estratégia para o atingimento. Durante esse processo, a inspeção e adaptação do atingimento de objetivo é constante.
E para que toda essa dinâmica ocorra, a comunicação é fundamental, ainda mais a comunicação não violenta. Hoje é uma das habilidades essenciais para quem trabalha com tecnologia. Além do conhecimento técnico para o desenvolvimento das aplicações, a comunicação assertiva é um diferencial para entender e questionar os objetivos de negócio que os stakeholders desejam alcançar.
Uma pesquisa realizada em 2018 pela revista britânica The Economist, intitulada Communication barriers in the modern workplace, com 403 executivos dos Estados Unidos, aponta que 44% dos entrevistados relatam que barreiras na comunicação provocam um atraso ou não conclusão de projetos. Além disso, 18% relatam que tiveram impacto direto em perda de vendas. A mesma pesquisa apresenta como principal causa da comunicação inadequada os estilos diferentes de comunicação (42%).
A insciência e o ruído na comunicação podem resultar em oportunidades de negócio perdidas, desengajamento das pessoas e conflitos. A situação pode escalonar até mesmo para o rompimento de relações entre indivíduos. Portanto, a habilidade de comunicação deve ir muito além de oratória, a comunicação ocorre entre duas pessoas, que possuem sentimentos e necessidades. Neste artigo, vamos abordar sobre a comunicação não violenta, aprofundaremos o conhecimento que possuímos sobre comunicação, para enriquecer nossas relações e negócios.
A comunicação não violenta
A comunicação não-violenta, abreviada como CNV, foi desenvolvida pelo psicólogo Marshall Bertram, e tem como objetivo expressar a compaixão nas pessoas. Marshall acreditava que quando entregamos de coração é possível presenciar a alegria verdadeira. Em resumo, a CNV possui quatro componentes:
1) Observação – sem julgamento ou avaliação o que está acontecendo ao redor e entender o que disso é enriquecedor para nossa vida;
2) Sentimento – como nos sentimos observando aquela situação;
3) Necessidade – reconhecer quais necessidades estão conectadas com tais sentimentos;
4) Pedido – baseado no que observamos, sentimos e necessitamos, o que podemos pedir ao outro que irá enriquecer nossas vidas.
Contudo, a CNV não é sobre técnicas de como usar as palavras ou uma linguagem. É uma abordagem estruturada na compreensão do que falamos e ouvimos, muitas vezes ficando em silêncio e presente, escutando uns aos outros. Portanto, expressar-se honestamente e receber com empatia por meio dos quatro componentes estabelece maior grau de profundidade e afeto em nossas relações intimas e relacionamentos mais eficazes no trabalho.
E com a diversidade entre os indivíduos, os estilos de comunicação podem variar muito. Com isso, os ruídos e as falhas na comunicação podem ocorrer com mais facilidade. Os componentes da CNV ajudam a criar uma conexão entre aqueles que estão se comunicando, evitando cada vez mais falhas.
Observar sem julgamento ou avaliação
Tudo aquilo que observamos e experienciamos ao longo da vida molda nossos valores e crenças. A partir disso, começamos a julgar diante do que acreditamos que é certo ou errado e bom ou mau. As comparações que fazemos com outras pessoas, adicionando o padrão imposto pela vida em sociedade, nos faz sentir melhores ou piores que os outros.
Quando observamos sem julgamento ou avaliação, conseguimos entender melhor a situação específica onde o fato ocorre, e assim sinalizar com mais clareza a mensagem. Em uma relação entre desenvolvedores de software e um Product Owner de um time, por exemplo, os desenvolveres poderiam pontuar em uma reunião de retrospectiva que “o PO nunca está presente quando precisam dele”. Nesse caso, os desenvolvedores não estariam sendo específicos sobre o fato ocorrido.
Eles poderiam pontuar que “nas últimas três situações em que procuraram o PO para remover uma dúvida, ele não retornou, e não sugeriu um novo horário para uma conversa”, expressando especificamente em quais situações eles observaram a ausência do PO. Esta situação gerará um sentimento aos desenvolvedores e uma necessidade que não foi atendida.
Assumir a responsabilidade dos nossos sentimentos
Marshall descreve em seu livro Comunicação Não-Violenta que “expressar nossa vulnerabilidade pode ajudar a resolver conflitos”. Somos ensinados desde criança à não expressar nossos sentimentos, pois representa um sinal de fraqueza. No entanto, expressar o que sentimos, permite nos conectar mais profundamente uns com os outros, aumentando a compaixão na relação, possibilitando a resolução de conflitos.
O que sentimos está diretamente conectado ao que observamos, para identificar a origem do sentimento e assumir responsabilidade por ele. Quando assumimos responsabilidade por nossos sentimentos, paramos de culpar os outros pelo que sentimos, bem como de nos responsabilizarmos pelas emoções dos outros e exigir sentimentos um dos outros.
Seguindo o exemplo mencionado anteriormente da relação entre desenvolvedores e PO, os desenvolvedores precisam identificar qual sentimento é despertado quando suas necessidades não foram atendidas pelo Product Owner do time. Podendo então adicionar à sua fala, qual foi sentimento deles. Como, por exemplo: “Percebi que nas últimas três vezes que chamamos você para tirar dúvidas, não nos retornou. Nos sentimos aflitos por não saber se estávamos seguindo nosso trabalho de forma correta e esperada”. Dessa forma os desenvolvedores expressaram seu sentimento na situação específica que eles observaram durante a interação com o PO.
Precisamos nos atentar também às avaliações que fazemos dos outros, como: ameaçado, atacado, criticado, desamparado, desapontado, diminuído, encurralado, enganado, ignorado, intimidado, mal compreendido, maltratado, manipulado, menosprezado, negligenciado, podado, pressionado, preterido, provocado, rejeitado, sobrecarregado, subestimado, traído, usado. Estes são alguns exemplos que podem nos confundir com sentimentos.
Identificar os nossos sentimentos no dia a dia é uma tarefa muito difícil, mas pode nos ajudar a alinhar nossas expectativas com clientes e colegas de trabalho. Isso aumenta a transparência da relação, um dos três pilares do Scrum: Transparência, Inspeção e Adaptação. Assim, identificando a situação específica que o fato ocorre, e o sentimento que nos desperta, podemos entender nossa necessidade e fazer o pedido para o outro, propondo uma ação de mudança que desejamos.
Pedir aquilo que irá atender nossa necessidade
Marshall descreve em seu livro que “formular pedidos em linguagem clara, positiva e de ações concretas revela o que realmente queremos”. Muitas vezes, pedimos ao outro o que não queremos que ele faça ou diga, o que se traduz em uma linguagem vaga, e favorece a confusão.
Seguindo nosso exemplo, baseado no que o time observou, sentiu e necessita, poderiam pedir ao PO que “quando precisarem de ajuda para tirar uma dúvida e ele não estiver disponível, sugira um horário para dar andamento a conversa”. Assim, especificando exatamente o que eles esperam que ele faça. Navegando pelos quatro componentes da CNV, os desenvolvedores conseguiram expressar sua necessidade utilizando uma linguagem clara, objetiva e positiva do que precisam do Product Owner do seu time.
Muitas vezes temos dificuldade de fornecer ou receber um feedback de alguém que trabalha conosco, justamente pela falta de propriedade no diálogo, o que acaba gerando confusão e sentimentos infelizes. A forma como reagimos ao retorno do pedido define se estávamos realmente fazendo um pedido ou uma exigência. Mas quando deixamos claro para o outro o motivo por trás daquele pedido, aumenta a possibilidade de que o outro receberá com empatia a nossa solicitação.
Comunicação não violenta é uma ferramenta
A CNV se mostra como ferramenta de compreensão e entendimento das situações do dia a dia, onde nos favorece a comunicação mais clara e objetiva das necessidades que temos ao nos comunicarmos uns com os outros. Dessa maneira, possibilita maior alinhamento de expectativa entre os envolvidos, facilitando o questionando dos objetivos que nossos clientes e usuários desejam alcançar com seus produtos e serviços.
Neste artigo, focamos no aspecto mais prático da CNV. Ele envolve uma observação mais interna de como lidamos com situações cotidianas e identificamos melhorias, e como reagimos a elas. No próximo, abordaremos como recebemos com empatia aquilo que nos é pedido.
Carolina Lucena é uma das Scrum Masters da Programmer’s. Graduada em Ciências Contábeis e especializada em Engenharia de Software, tem experiência em Métodos Ágeis em diversos segmentos de negócios.